Não foi preciso nada para me dar conta de que estava na minha gente. Sentado na cadeira de verga na varanda de madeira, ressequida pelos anos e quase coberta de hera, via as fragas, acesas pelos raios do sol, agasalhadas pelo musgo verdinho, – como que acabado de nascer no seio da neve derretida. À tardinha, passavam as mulheres de cântaro à cabeça; iam à fonte de mergulho tirar água. Depois, velhas e novas, conversando, subiam a barreira com os cântaros cheios, equilibrados nas molídias postas à cabeça sobre os lenços negros, e seguiam caminhando, descalças, por aquelas ruelas labirínticas de casas de xisto e de gorrão, cobertas de flores. Outras, tocam os burricos com cangalhas, onde levam embrulhado num xaile o filho de meses e o que é preciso para a ceia. Fico largos momentos a observar a paisagem dos rostos, plasmada de resignação e indiferença, da dor de ter nascido e do teimar em estar vivo. Olho as máscaras gastas das mulheres sentadas ao sol, a cismar, por detrás dos lenços negros que lhes tapam o rosto quase todo. Outras, agachadas na gasta pedra do portal ou no vão da escada, ficam a catar os piolhos aos filhos, ou a entrançar o cabelo às raparigas. As de meia-idade, no silêncio das tardes de calma, fazem as meias e remendam a roupa. Todas estão enraizadas há séculos, até um dia!... Num pronto, deixei de sentir o cheiro a suor na igreja, – gente descalça que se lavava pouco e mal, o permanente odor do estrume, e de me assustar com os milhares de moscas por toda parte; já pouco me importa o estrume, as bostas das vacas nos caminhos e na estrada, o cantar dos galos de madrugada, ou o toar dos sinos que anunciam mortes, alegrias e Trindades. Até o chiar dos eixos dos carros de bois me despertam do torpor. Deixei também de sentir a brisa fria, gelada e seca que, pelas madrugadas, vem da serra. Agora de regresso, vejo melhor como toda esta gente é pobre, talvez mesmo miserável e como, apesar disso, é tão feliz! Não foi preciso nada para me dar conta de que estava na minha gente.
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